O artigo aborda a contaminação da água nos equipamentos odontológicos, por Fábio de Souza. O problema é real e desconhecido por muitos. Essa é uma das publicações especiais para o SETBIO 2019. O Setembro Verde começa oficialmente hoje.
a Agradecemos Fábio Souza pelo excelente artigo. Além disso, Dr Fábio ministrará palestra em um dos eventos do SETBIO. Dia 23 de setembro abordando importância do uso de EPI, em São Paulo.
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Liliana Junqueira de P Donatelli
Artigo: Fábio Barbosa de Souza – MBA, MSC, PhD.
Professor de Biossegurança e Coordenador da Comissão de Biossegurança do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Pernambuco
Membro do Grupo Geração Biossegurança
Realidade invisível
Você sabia que a irrigação propiciada pela turbina de alta rotação pode determinar sérios problemas de saúde ao paciente, chegando inclusive, em casos extremos, à morte?
Se não sabia, chegou a hora de prestar mais atenção no manejo da água utilizada no reservatório do seu equipamento. Ela pode estar sendo uma grande fonte de contaminação, apesar de estar aparentemente limpa e cristalina!
Para evitar as consequências negativas relacionadas a esta contaminação invisível, seguem alguns aspectos essenciais para conhecimento, assim como as devidas medidas para reduzir a possibilidade de transmissão de infecções através da água utilizada na rotina prática do consultório odontológico.
A verdade nas evidências científicas
Durante a prática clínica, a água pode ser ingerida pelo usuário do serviço de saúde ou entrar em contato com soluções de continuidade na mucosa e/, ou dentes, tendo acesso direto ao tecido conjuntivo com possibilidade de absorção e alcance do sistema circulatório. Nesse sentido, a sua contaminação apresenta grandes riscos de infecções, além de ser incompatível com práticas adequadas de higiene e controle de contaminação cruzada.De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a água pode ser o veículo de transmissão de inúmeros microrganismos, tais como bactérias (Escherichia coli, Leptospira, Legionella spp., Salmonella typhi), vírus (enterovirus, hepatite A, Hepatite E, Rotavírus), protozoários (Cryptosporidium hominis/ parvum, Entamoeba histolytica, Giardia intestinalis)e helminto (Schistosoma spp).
O caso de Legionella na Itália
O primeiro caso da literatura no qual foi demonstrada a direta correlação entre a infecção letal de um paciente e a água de equipo foi publicado em 2012. Uma paciente de 82 anos, sexo feminino, sem doenças de base, foi admitida na unidade de terapia intensiva de um hospital na Itália com febre e problemas respiratórios vindo a falecer dois dias depois. Sua morte foi atribuída à pneumonia (Legionella spp.). A fonte de infecção sendo a linha de água do equipo de seu dentista foi confirmada por três métodos microbiológicos.
Mais recentemente, em 2016, nos estados da Geórgia e Califórnia (EUA), foram reportados casos de crianças de 3 a 11 anos, que foram hospitalizadas com consequências sistêmicas resultantes de infecção por Mycobacterium abscessus. O surto foi causado pela água contaminada do equipamento odontológico, utilizada durante pulpotomias.
Biofilme nas tubulações
No equipamento odontológico, as tubulações por onde a água passa são denominadas linhas de água e constituem-se por longas superfícies internas plásticas de lúmen reduzido (tubulações com cerca de 10m de extensão e 0.5 a 1.0mm de diâmetro). Estas características quando associadas à estagnação de água durante a maior parte do tempo e imperfeições internas microscópicas configuram um ambiente favorável para o estabelecimento de microrganismos já presentes na água. Assim, a consequente formação das películas de biofilme é diretamente responsável pela contaminação da água usada nos procedimentos clínicos. Com o desenvolvimento do biofilme, microrganismos planctônicos e subprodutos são liberados dentro da água diretamente na boca dos pacientes durante os procedimentos odontológicos.
Com que água devo abastecer o reservatório do equipamento?
A água mais indicada para uso na odontologia deve ser esterilizada ou destilada. Em cirurgias, a água não deve percorrer as tubulações internas do equipamento odontológico, sob o risco de se contaminar com o biofilme existente nas tubulações. Neste caso, a recomendação é utilizar solução estéril, sendo disponibilizada a partir de suprimento externo, sob controle quanto à esterilização dos equipamentos.
Apesar de ser empregada em diversas cadeiras odontológicas, a água mineral não é indicada para uso clínico. Evidências científicas apontam um valor médio do teor de cloro abaixo do limite mínimo proposto pela legislação brasileira. Como não há íons cloro livres, a água mineral torna-se ineficaz na prevenção da contaminação e formação de biofilmes no interior do reservatório.
É preciso adicionar cloro à água?
No Brasil, a qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade seguem normas definidas pelo Ministério da Saúde. O teor de cloro mínimo é de 0,5 mg/L. Assim, a água empregada nos procedimentos odontológicos não cirúrgicos segue os indicadores desta norma. Deste modo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)* faz recomendação para inclusão de um suprimento adicional de cloro à água utilizada no reservatório do equipamento odontológico. A proporção é de 0,3 ml de hipoclorito de sódio a 1% para 500ml de água.
*órgão brasileiro responsável pela regulação de produtos e serviços relacionados à saúde da população
O que fazer com as linhas de água?
A formação de biofilme no interior das linhas de água representa um desafio para o cirurgião dentista. Fora do Brasil, existem vários compostos indicados para remover, inativar ou inibir a sua formação. Um exemplo de produto são os tabletes. São adicionados ao reservatório de água, de composições diversas (prata, clorexidina, peróxido de hidrogênio ou derivados botânicos). No Brasil, esses produtos são raros e inacessíveis ao cirurgião dentista de uma forma geral. Além disso, os fabricantes de equipamento odontológicos disponíveis no mercado nacional raramente fornecem instruções sobre os cuidados relacionados às linhas de água.
O que fazer então?
- Após cada atendimento clínico, acione as peças de mão por 20 segundos, de modo a fazer fluir a água nos equipamentos. Este procedimento também deve ser feito no início e no final do dia. Tem como objetivo expulsar materiais contaminantes provenientes da mucosa bucal que porventura entraram nas tubulações de ar, água e nas próprias turbinas.
- Esterilize as peças de mão. Esta medida é essencial para anular a contaminação cruzada propiciada por microrganismos presentes em seu interior ou superfície.
- Realize a drenagem diária das linhas de água e manutenção a seco durante à noite e nos fins de semana. Isso porque o ambiente úmido propicia a manutenção e o crescimento microbiano no interior das tubulações.
- Estabeleça uma rotina de limpeza do reservatório de água, com periodicidade mensal, com água e sabão, assim como desinfecção com hipoclorito de sódio a 1%, por 30 minutos. Em seguida, promova o enxágue abundante.
O que era invisível está nítido para você agora?
Esperamos que sim! Neste mês da Biossegurança, reveja seus conceitos, atualize-se e dedique maior atenção para a qualidade da água utilizada nos equipamentos. Com isso, garanta uma consulta segura para os seus pacientes!
Abraços biosseguros!
Se quiser saber mais, leia…
Miller, Chris H. Controle de infecção e gerenciamento de produtos perigosos para a equipe de saúde bucal. 6 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019.
Souza, Fábio Barbosa de; Côrte Real Fernandes, Marcela; Baptistella Lima, Paula; Torres Calazans, Maria. The quality of water in dental offices from the public healthcare system of a Brazilian town: a study of the microbial, physical and chemical parameters. Journal of Dental Health, Oral Disorders & Therapy. 2018;9(5):393-397. https://medcraveonline.com/JDHODT/JDHODT-09-00415
Observação- Este post foi editado a pedido do autor em 03/09/2019
3 Comentários
Bom dia,
Gostaria de saber se podemos adicionar peróxido de hidrogênio na água do reservatório da cadeira, para promover limpeza e desinfecção do sistema de mangueiras da mesma? Na matéria acima, vocês trazem que em outros países existem tabletes (prata, clorexidina, peróxido de hidrogênio ou derivados botânicos) disponíveis para este objetivo. Se sim, com qual frequência e concentração devo utilizá-la?
Djiany
Para adicionar produtos eles devem ser validados para isso. Cado contrário pode haver dano às mangueiras ou causar algum problema na adesão de materiais e ainda assim não ter o efeito validado. EM breve deveremos ter produtos registrado na ANVISA no Brasil para essa finalidade.
Liliana
Sugiro, respeitosamente, que a solução estéril usada em atos cirúrgicos, particularmente, mas não só, seja soro fisiológico, por causa da sua isotonicidade, que favorece melhor resultado para os tecidos e para a reparação pós-operatória. Que não se confunda com a refrigeração de aparelhos rotatórios para uso, por ex., em dentisteria ou prótese, onde a água estéril é suficientemente adequada.